In-Lex 2016 - page 18

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anuário
2016
das Sociedades de Advogados
opinião - João afonso fialho, presidente do conselho director da asap
Projectar a advocacia
& antecipar o futuro
„„
Desde tempos imemoriais, a justiça é um
dos temas mais discutidos em quase todos os
fóruns. Não é meu propósito – nem tenho a
necessária competência – tratar neste singelo
texto todos os desafios que a justiça terá de
enfrentar no futuro próximo. Mas uma experi-
ência profissional multifacetada na advocacia
de quase 25 anos, dá-me autoridade suficiente
para identificar e dissertar, ainda que superfi-
cialmente, sobre três temas absolutamente
críticos para o futuro da profissão.
Reforma Regulatória e
Institucional
Um primeiro aspecto em que nos devemos
centrar é a absoluta necessidade de proceder
a uma reforma radical do quadro regulatório
em que exercemos a nossa profissão. Muitos
dos advogados em exercício ainda pensam
a profissão nos exactos mesmos termos em
que ela era entendida no início do século XX.
O mesmo é dizer, vêem-se a si próprios como
os salvadores dos seus clientes, a quem, para
além dos normais honorários, ainda é devida
uma vénia pelos serviços que prestam. Neste
pressuposto, alimentam um sistema de nor-
mas irreal, completamente desfasado da rea-
lidade e não entendível pelos seus o público
em geral ou, mais grave ainda, para os seus
próprios clientes. Fazem-se amiúde remen-
dos aos textos legislativos, mas não se altera
o fundamental, os princípios completamente
esclerosados em que os mesmos assentam.
Os clientes, sejam eles pessoas singulares ou
sociedades comerciais sofisticadas, são cada
vez mais exigentes e informados. Conhecem
em detalhe o mercado da advocacia e, não ra-
ras vezes, as leis que os regem, procurando no
advogado o profissional que lhes garanta um
determinado resultado, mitigando o mais pos-
sível os riscos a ele associados. O advogado tor-
na-se aos seus olhos um prestador de serviços,
como tantos outros, o qual apenas tem o dever
de trazer para aquela transacção ou litígio con-
creto uma determinada mais-valia. Como diria
o saudoso Dr. Manuel Salema, “no final do dia,
somos meros mercadores de mais-valias”. Para
fazer face a esta nova realidade é necessário
despertar os advogados para a forma como são
percepcionados pelos seus clientes e poten-
ciais clientes e ganhá-los para a necessidade
de fazermos um grande esforço colectivo de al-
teração de mentalidades e do enquadramento
jurídico que rege a nossa profissão.
Paredes meias com a mudança da lei e das
mentalidades dos seus actores, está a mudan-
ça das instituições. Os advogados não podem
continuar a ser representados por quem não
entende a profissão e continua a olhá-la de
forma passiva, esquecendo-se que representa
todos os advogados e que tem a obrigação de
preparar as instituições que episodicamente
dirige para o futuro. A advocacia é, por defi-
nição, uma profissão liberal, e nessa medida
não há que proteger o mercado para que os
incumbentes possam ter uma vida relaxada,
enquanto se criam todo o tipo de obstáculos
administrativos para dificultar o acesso dos
mais novos ao mercado.
Sofisticação dos Clientes
Já nos referimos acima à profunda alteração
do perfil dos nossos clientes. Este facto tem
implicações práticas profundas na forma
como exercemos a profissão e nos organiza-
mos para o efeito. Poucos clientes se dirigem
hoje a um escritório de advogados na expec-
tativa de que o seu advogado habitual resolva
todos os seus problemas. O mais das vezes, o
próprio cliente já tem um conhecimento bas-
tante aceitável das implicações do que fez ou
deseja fazer e das soluções à sua disposição.
O bom advogado é aquele que face aos mes-
mos constrangimentos de tempo consegue
entregar o melhor resultado e para isso é
necessário ser-se um conhecedor profundo
de questões específicas. Por outras palavras,
ser-se um verdadeiro especialista numa deter-
minada área ou subárea do direito ou de uma
determinada indústria e ter por detrás uma or-
ganização capaz de dar uma resposta eficiente
e rápida a tudo o que não conseguimos domi-
nar individualmente ou, pelo menos, trabalhar
em rede, juntando à nossa prática individual
outros advogados com experiências e conhe-
cimentos diferentes.
Novas Tecnologias
O tema das novas tecnologias e da forma
como as mesmas irão alterar a nossa relação
com os clientes, quer do lado da procura, quer
do lado da oferta, é incontornável.
Começando pela procura, todos os clientes es-
peram que os seus advogados dominem com-
pletamente as tecnologias por si utilizadas e
saibam adaptar a comunicação às diferentes
ferramentas utilizadas.
Do lado da oferta, a tecnologia irá permitir
– forçar - a comoditização de vários serviços
hoje prestados como se de peças únicas se tra-
tassem. Como resultado da combinação dos
dois factores, a palavra “processos” irá ocupar
um espaço crescentemente mais importante
no jargão da advocacia. O advogado não será
apenas – e será cada vez menos – o profis-
sional que produz um trabalho intelectual
infungível, para passar a ser o coordenador ou
supervisor de processos que possam garantir
a qualidade do produto final entregue aos
seus clientes.
Pessoalmente, como advogado formado na
“escola clássica” e de hábitos profissionais
assumidamente conservadores, esta visão é
quase dantesca, mas, enquanto sócio de uma
sociedade de advogados e – temporariamente
– presidente de uma associação representati-
va da esmagadora maioria das sociedades de
advogados portuguesas, é minha obrigação
impulsionar e ajudar a efectuar as mudanças
necessárias para que estejamos devidamente
preparados para o futuro.
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